TEMPO (IROKO)
Lavar os pés do Tempo
e se recolher à margem de sua cama,
deita o arrebol junto ao corpo,
salgado no rosto.
BANZO
São dois rios intransponíveis,
coisa que paira e bruma acumula.
A pressa ainda é menina e disfarça dor,
beijos em velame-do-campo,
mil estrelas, ainda, banzam meu amor.
COBRA RASTEIRA
O rio serpenteia as várzeas,
sobre mim, os braços do meu bem.
Em movimento sanfonado,
toda distância é mínima,
todo caminho circular.
É de talho no peito:
vereda tropical.
LOGUNÉDE
Em leque, as penas do pavão
enfeitam as florestas de arroubos
no peito do caçador.
Ornando o percurso que se fez o rio,
são de mel, os sonhos de Logunedé.
FEBRE
Rumor do vento no pomar
e o olhar do cão ao prado,
a noite tinge de preto as folhas dos laranjais.
A pele da terra
e o sal escorrendo no rosto,
de macambúzio sentimento,
eu sou minha própria febre.
ESPELHO ENTERRADO
Vertigens dos trópicos e a febril América Latina.
Mariposas dos sonhos cintilam ao redor do candeeiro à procura de calor. Corpos mestiços, terra sangrada.
Rastos de meu avô Guarani
– Espelho enterrado, empoeirado, um retrato 3×4.
Ao fundo, uma Gameleira-branca alteia o vestido de minha avó.
E o Paraguai nunca esteve tão perto das mãos
– ou, talvez, tão longe.
A mão que me afaga a pele:
“duerme, duerme, negrito
que tu mamá está en el campo.”
Galgada a fronteira, o chão borbulha, meu corpo ferve.
PS: Todos os poemas acima fazem parte de Árido.
Vitor Augusto Resquin Rodriguez, poeta e educador. Filho de um casal da zona leste paulistana: do pai, a maldição do samba; da mãe, o terreiro; da vida, a capoeira. Autor de Naufragar como Verbo (2017) pela Editora Reformatório e sua mais recente publicação Árido (2020) pela Editora Penalux.